Defesa médica em caso de extravasamento da solução parenteral 10.05.2023 • por Diego Mariante Cardoso
Este mês vamos relatar a análise de jurisprudência de uma defesa médica envolvendo o extravasamento de alimentação via parenteral em prematuro. No conflito judicial, a família da criança alega que as complicações ocorreram por falhas no atendimento do médico e hospital. Mas, a defesa médica comprovou que os procedimentos foram realizados de forma adequada e as complicações ocorreram devido a gravidade do quadro da criança.
Veja o relato detalhado abaixo:
Internação e Quadro Clínico
Por meio de fertilização in vitro foi gerada uma gravidez trigemelar, e que, às vinte e nove semanas, foi interrompida mediante cesariana, em virtude de evidências ecográficas de sofrimento fetal. trigêmea que nasceu por último pesava 1.000 gramas – o peso mais baixo de todos – e apresentou complicações devido à prematuridade: seis dias após o nascimento, atingia apenas 895 gramas e encontrava-se na UTI, pois exigia cuidados intensivos, como suporte ventilatório.
O bebê prematuro estava hemodinamicamente instável devido à presença de canal arterial calibroso, pelo que lhe foi ministrada indometacina intravenosa na tentativa de fechamento sem cirurgia cardíaca.
Alimentação Via Parenteral
Devido à impossibilidade do uso da via digestiva, a criança foi colocada sob nutrição parenteral. E o acesso venoso nestes casos é preferencialmente por meio de um vaso no couro cabeludo, conforme doutrina médica atinente à matéria.
A indicação do procedimento parte do médico e a execução é realizada pela equipe de enfermagem, que localiza a veia e injeta a alimentação. No caso da bebê, o conteúdo extravasou-se, provavelmente, pela ruptura do frágil tecido do vaso, o que pode ocorrer em prematuros, ainda não completamente formados em todos seus tecidos.
Tal é acontecimento imprevisível, e inevitável, pois a criança deve ser nutrida conforme supra indicado.
Complicações do Quadro
No presente caso, a paciente estava com imunidade deprimida e plaquetopenia, o que facilita saída de sangue dos vasos. Além disso, havia fuga de sangue da circulação periférica para a pulmonar, provocando menor irrigação dos tecidos no local, facilitando, assim, que qualquer quantidade de cálcio contida na solução parenteral que se extravasasse pudesse necrosar tecidos.
Efetivamente, a necrose veio a ocorrer, no couro cabeludo da prematura, sendo indicados e realizados debridamentos, com sucesso, para resolução do caso. Mesmo enfrentando estas dificuldades, a paciente sobreviveu, apresentando como sequela uma área glabra no couro cabeludo, nas regiões temporal direita e occipital, prolongando-se até perto do pescoço.
Conflito Judicial e Defesa Médica
A família, inconformada com o ocorrido, ingressou em juízo contra o médico assistente (pediatra) e o hospital, alegando a existência de danos, os quais seriam decorrentes de falhas no atendimento. O facultativo apresentou sua defesa médica, expondo os fatos como acima narrados, e ressaltando que o mesmo agiu corretamente, inexistindo nexo causal entre seus atos e os danos alegados.
A sentença (decisão de primeira instância) julgou o processo favorável ao médico e ao hospital, valorizando a perícia realizada no processo, transcrevendo o seguinte trecho do aludido laudo técnico:
“(...) nasceu entre o sexto e o sétimo mês, durante a 29ª semana da gestação de sua mãe, pesando um quilo ao nascer: nascituro de alto risco. Mas tudo isto já estava previsto, eis que fruto de gravidez trigemelar, indo para a unidade de neonatologia, onde, mercê dos cuidados recebidos por uma equipe multidisciplinar, continuou a se desenvolver, atingindo os níveis considerados normais para as crianças nascidas de gravidez a termo, ela e suas irmãs, como as vemos atualmente.
O evento da perda da veia puncionada no couro cabeludo local de eleição para perfusão venosa nestes nascituros, é relativamente frequente. Igualmente não é rara a ocorrência de um hematoma neste local, que na maioria dos casos se resolve bem. (...) teve um hematoma maior, que progrediu, chegando a ocasionar sofrimento vascular naquela área do couro cabeludo, com necrose de parte da espessura da pele.”
Assim, o magistrado entendeu que o infortúnio ocorrido não se deve aos atos médicos realizados, os quais na realidade salvaram a vida da paciente.