Histerectomia e comprometimento do nervo femoral: lesão verificada posteriormente não é indicativa de falha no tratamento, realizado de acordo com a ciência médica 09.11.2019 • por Apolinário Krebes Cardoso
Paciente foi internada devido ao diagnóstico de metrorragia por miomatose uterina, com indicação de histerectomia devido à persistência dos sintomas e do risco à saúde. Recebeu o termo de consentimento informado, cujo conteúdo lhe foi explicado antes de sua respectiva assinatura. A cirurgia realizou-se de acordo com a técnica clássica empregada no hospital, sendo procedida por residentes, sob a supervisão do preceptor, o qual não necessitou participar do ato, pois não houve intercorrências. A anestesia também transcorreu sem incidentes. O pós-operatório foi normal, excetuando-se o fato de que a paciente caminhava com dificuldade, apresentando paresia do membro inferior esquerdo. Três dias depois, ela teve alta hospitalar (constatando-se a melhora do quadro), observando-se a continuidade de seu tratamento em regime ambulatorial. Da intervenção cirúrgica, em si, ocorreu boa recuperação. Após, houve retorno ao atendimento, a fim de tratar problemas na parte motora do membro inferior esquerdo. Exames realizados revelaram comprometimento importante dos nervos femoral e obturador – os quais, evidentemente, estão distantes da área operada, isto é, útero e ovários. Determinou-se, então, encaminhamento ao Serviço de Neurologia, e à realização de fisioterapia.
A paciente, inconformada, ingressou em juízo contra o preceptor e o hospital, alegando ocorrência de erro médico no procedimento, o que lhe teria causado os danos já referidos. O médico defendeu-se, relatando o atendimento prestado, afirmando sua adequação aos preceitos científicos aplicáveis. Destacou-se, ainda, a diferença entre a localização da cirurgia e a do suposto dano. Seguiu-se ampla e complexa produção de provas nos autos. A perícia levantou a hipótese de que o uso do afastador cirúrgico pudesse causar a lesão: “Existem relatos de lesão traumática do nervo femoral em caso de histerectomia total abdominal por miomatose uterina, devido ao uso de afastador cirúrgico.” Entretanto, tal não significa tenha havido qualquer falha por parte do cirurgião, segundo outro trecho do laudo pericial: “...este tipo de lesão ocorrida devido ao procedimento cirúrgico, está provavelmente associada ao uso de afastadores cirúrgicos. A lesão apresentada pela autora é uma complicação cirúrgica que pode ocorrer, inerente ao tipo de cirurgia, e não necessariamente, decorrente de um mau atendimento ou uma imperícia técnica (...)”. Os depoimentos testemunhais colhidos igualmente trouxeram importantes informações, elencando possíveis causas além do uso do afastador: “(...) ela pode ter tido um edema muscular, ela pode ter tido uma isquemia, ela pode ter tido uma alteração anatômica do nervo. Depende do tipo de bacia, este nervo pode ter passado mais embaixo, mais em cima. Tracionou, puxou, deu hematoma e nem foi do afastador.” Outra testemunha também discorreu a respeito das etiologias em questão: “(...) pode ser por um hematoma da musculatura, pode ser por compressão do nervo, pode ser por um problema isquêmico. Existem várias etiologias (...)”. Assim, nota-se que nenhuma das explicações citadas pressupõe falha médica, pelo que o magistrado de primeira instância julgou o processo favoravelmente ao médico e ao hospital, negando os pedidos da autora: “De acordo com a prova coligida nos autos, os réus procederam à cirurgia, e ao tratamento pós-operatório em conformidade com a técnica específica para a cirurgia de histerectomia abdominal total, não restando comprovado que agiram culposamente.” Ou seja, considerou-se plenamente demonstrado o correto atendimento.